terça-feira, 27 de janeiro de 2009

4 - AS NEGOCIAÇÕES


Se para parte da população suíça, abandonar os cantões natais se afigurava como sobrevivência, destas circunstâncias se prevaleceria um cidadão de Gruyères, de vida vagamente aventuresca, chamado Sebastien-Nicolas Gachet, que – aliado a um francês, Jean-Baptiste Jerome Brémond, ferrenho defensor do antigo regime – pretendia obter vantagens financeiras do momento histórico.
Este cidadão, em maio de 1817, declara junto às autoridades cantonais, estar proposto a se estabelecer como fazendeiro no Brasil, representando também os produtos manufaturados suíços no país. Os planos de Gachet evoluiriam ao perceber o interesse do Cantão de Fribourg em se livrar dos estrangeiros e do excedente populacional, conseguindo ele do Conselho de Polícia o apoio necessário para obter sem grande dificuldade, uma carta de apresentação que na prática o transformaria em um agente diplomático encarregado de negociar junto à corte portuguesa, o estabelecimento de seus compatriotas no Brasil.
Na verdade, se o objetivo explicitado é o de manter um fluxo de colonização permanente para terras brasileiras; em caráter particular e sem que as autoridades de Fribourg o saibam, o "cidadão de Gruyères"
[1], chegado ao Rio de Janeiro em 3 de outubro de 1817 no veleiro francês Emilie, deseja propor também ao soberano português a exploração por um grupo de capitalistas, da citada colônia, cuja empresa atuaria concomitantemente como agência de imigração e sociedade colonizadora. A empresa adiantaria aos suíços e moradores da Suíça desejosos de partir, as quantias necessárias, ficando, contudo, como única proprietária das terras concedidas pelo governo português, além do direito de comercialização exclusiva na Europa, de alguns produtos brasileiros mantidos sob monopólio da coroa (diamantes, madeira de lei etc.), podendo mesmo dispor da terça parte do que lhe seria consignado pelo próprio governo.
Recebido pelo soberano ainda em outubro, se mostraria este diplomata assas habilidoso em suas explanações. Ele, que segundo dados do Registro de Estrangeiros, era de estatura baixa, possuindo uma espessa barba negra e acentuada curvatura na região lombar
[2], encarrega-se na audiência, de exaltar virtudes do colono suíço sobre os demais não só pelo conhecimento técnico das práticas agrícolas e pecuárias mas igualmente pelo que considera suas características conservadoras, contrastantes com as idéias revolucionárias que havia pouco, grassavam em quase toda a Europa. Demonstrando uma singular percepção quanto ao imaginário das elites lusitanas aqui chegadas nove anos antes, enfatiza o reservatório humano que poderá representar seu país, atendendo certamente às declaradas aspirações brasileiras em direção a uma expansão econômica e demográfica. Tendo em mente uma colonização de fluxo permanente sob a égide da sociedade migratória, chega mesmo este singular diplomata a acenar com o fornecimento anual de 2.000 indivíduos.
A resposta brasileira é positiva. O principal objetivo da viagem de Gachet, porém, será logo descartado pela recusa do governo português em tratar a migração através de uma intermediação privada. No entanto, as autoridades lusitanas, sensíveis aos argumentos de um crescimento demográfico calcado no que se afigurava como um contingente de laboriosos indivíduos, católicos e fiéis a coroa de adoção, bem como oriundos de um país que jamais se poderia contrapor a Portugal em reivindicações futuras, aceitam a proposta, desde que tratada diretamente com os governos cantonais.
A questão recolocada em suas bases originais exigiria naturalmente de Portugal a nomeação de um representante junto a Dieta Helvética, conforme o próprio Gachet assinala ao príncipe João. Frustrado, pois, em seu interesse maior, o ardiloso diplomata reconduz o obscuro sócio ao centro nevrálgico dos acontecimentos, sugerindo o nome de Brémond, na qualidade de fervoroso realista e "antigo secretário de S.M. Luiz XVI", para o consulado português na Suíça. Tal proposta, equivalente na prática a se entregar ao lobo a guarda do rebanho, será efetivada em 2 de maio de 1818, quando o Ministro Thomaz Antonio de Villa Nova Portugal, que sucedera o reticente Ministro Bezerra, notifica a Dieta Helvética sobre a nomeação.
As negociações não se desenvolvem sem oposição da Inglaterra, principal aliada de Portugal, para a qual certamente o estabelecimento no país , de artífices e tecelões, poderia comprometer a dependência brasileira quanto ao manufaturado britânico. A este adversário reservaria Gachet, nos incontáveis textos que produziu ao longo de 1818, o traço mais ferino de sua pena, denominando-o "inimigo de todos os governos", buscando "aniquillar em todas as nações as artes, a indústria, e o comércio, e apoderar-se da autoridade para estabelecer a sua tyrania e o seu monstruoso monopólio exclusivo".
Em sua tarefa de atribuir aos britânicos toda a sorte de mazelas que viessem a ter como efeito causar impacto junto a aristocracia e a classe dominante, Gachet habilmente se reporta a revolta de escravos ocorrida anos antes no Haity:

"Não foi ella que excitou os espiritos para a revolta dos negros e mulatos de S. Domingos, que lhes forneçam armas e munições de guerra, pa. se subtrahirem pr. ella a authoridade legitima e que se apressou de reconhecer a Independência d'aquelles assassinos ainda … sangue de seus senhores e de seus benfectores?"

Desnecessário questionar quais os supostos benefícios que haveria em ser escravizado e o texto de Gachet, no que se refere aos cativos, já antecipa claramente o que ocorrerá na colônia, adotando o imigrante sem qualquer restrição os costumes vigentes, tornando-se proprietário de escravos sempre que as suas condições sócio-econômicas o permitiam. De qualquer forma, o diplomata gruyeriano demostra uma vez mais ser um habilidoso defensor de suas posições e um atento articulador quanto a distinção das preocupações emergentes naquela sociedade pós-colonial.
Ao longo dos primeiros meses de 1818 os partidários da migração gradualmente se fortalecem, prevalecendo sobre a facção tradicionalista que apoiava as posições inglesas. Ao contrário da migração permanente, contudo, o governo decide por uma experiência inicial, a partir da qual se avaliaria a conveniência ou não de um fluxo constante. Em contrapartida, os interesses da corte em uma migração militar associada, para a criação no Rio de Janeiro, de um regimento de estrangeiros, não encontrará eco entre os administradores cantonais. Restava pois, escolher o sítio exato para a futura colônia e formular o tratado definitivo.
[1] Como também é referido Nicolas Gachet no Brasil.
[2] AN – Entrada de Estrangeiros.

Um comentário:

  1. meu sobrenome pelo materno é castella.há informaçoes de que os castella foram colonizadores em nova friburgo. a origem do meu sobrenome é portuguesa. caso haja alguma veracidade gostaria de obter mais informaçoes detalhadas.grata.

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